A BASE DE CASA BANANA: O QUARTEL-GENERAL DA RENAMO
Autores: Ernesto Constantino e Milissão Nuvunga
Falar da Casa Banana é um exercício de enxergar a história das desavenças políticas na luta pela consolidação do Estado após a independência em Moçambique. Essa importância da Casa Banana manteve-se mesmo depois da assinatura dos Acordos Gerais de Paz de Roma, como resultado do fracasso do governo e da RENAMO de resolverem os aspectos militares e de integração económica e política constantes desses Acordos. A criação, consolidação e o desaparecimento físico e político da Base Central de Casa Banana do cenário político também lança dúvidas sobre o futuro da RENAMO como força política no país. |
Objecto da Nota Informativa
Esta Nota Informativa trata da Casa Banana, Base Militar da RENAMO e Quartel-General do movimento desde a sua criação até os acordos de paz definitiva de Maputo, assinados entre o Governo e a RENAMO em agosto de 2019 – Maputo. Pretende mostrar a complexidade da experiência de construção do Estado através de mecanismos militares, e a forma como esses mecanismos conviveram de forma pacífica às vezes, e sangrenta noutras, com o funcionamento normal do Estado. A capacidade desta Base de existir no meio dos supostos “20 anos de paz” (1992-2013) sugere que a violência é um elemento constitutivo do processo de governação no país, e que é necessário olhar de forma mais iluminada não só para os produtos da paz no país, mas também para todos os cidadãos, actores e processos sociais que vivem e se desenvolvem nos arredores das diferentes bases militares desde 1976.
Definição do termo
Uma base militar é uma instalação para armazenamento de equipamento militar e treinamento de soldados[1]. Uma base se transforma em Quartel-General (QG) quando é a instalação militar a partir da qual um comandante desempenha as funções de comando[2]. Em muitos países, o Quartel General das Forças Armadas é o mais alto nível de comando e controle das Forças Armadas. Tem como missão principal comandar e controlar as operações, mas também é responsável pela estratégia militar, bem como pelo desenvolvimento global das Forças Armadas. O QG das Forças Armadas também funciona como canal de contato com o governo[3].
A Base da Rebelião
A criação, consolidação e o desaparecimento físico e político da Base Central de Casa Banana do cenário político diz muito sobre a fortuna política da RENAMO no país. “Casa Banana” foi a mais importante base militar da RENAMO durante a guerra civil dos 16 anos (1976-92), e a sede do movimento durante a sua história político-militar até ao presente. Neste contexto, falar da Casa Banana é um exercício de enxergar a história das desavenças políticas na luta pela consolidação do Estado após a independência em Moçambique. Essa importância da Casa Banana manteve-se mesmo depois da assinatura do Acordo Geral de Paz de 1992, em Roma, como resultado do fracasso e/ou incumprimento do Governo e da RENAMO de resolverem os aspectos militares e de integração económica e política constantes deste Acordo.
O Quartel-General da RENAMO durante a guerra civil ganhou o nome da localidade em que se encontrava implantada, no sopé leste da montanha de Gorongosa, cerca de 95 km a noroeste da Beira e a 144 km da fronteira com o Zimbabwe. De forma mais próxima, ficava mesmo no extremo norte do parque nacional do de Gorongosa, a cerca de 22 km a leste da localidade de Vunduzi, a norte do rio Nhadué. A sua proximidade ao eixo rodoviário e ferroviário do Corredor da Beira veio a determinar em grande medida a sua importância estratégica tanto para a rebelião como para os países da região.
No início da década de 1980, Casa Banana era um local famoso e temido, representando o poder crescente da RENAMO contra o Governo. É difícil escrever sobre a Base porque, tal como diz Cahen, há um “buraco negro´´ dos arquivos da rebelião da RENAMO durante a guerra civil. A RENAMO possui uma base fragilíssima ou nunca teve um sistema de arquivos organizado (Cahen, 2020). Não existem dados sobre quantos militares foram enviados ao longo destas décadas para Casa Banana, de quantos guerrilheiros da RENAMO de facto estiveram lá durante estes anos, e neste texto, muito menos de quantos militares, guerrilheiros e civis morreram.
A importância da base foi em resultado de uma construção social e política, devido aos seus efeitos no comportamento dos actores, do que necessariamente como uma referência geográfica e militar.
A conquista de Casa Banana em 1985: Um exemplo de vitória sem paz
A aparente invencibilidade da RENAMO como desafio ao Governo do dia sofre um rude golpe quando a 28 de agosto de 1985, o seu Quartel-General na Casa Banana, foi atacado pelas forças conjuntas do Zimbabwe e do Governo moçambicano[4]. A velocidade de sua captura por pára-quedistas após bombardeios surpreendeu diplomatas e especialistas militares em Harare, que descreveram a base como bem guardada e praticamente inacessível por terra em um terreno densamente arborizado. Pode ter sido que a surpresa tenha saído do facto dos militares do Zimbabwe, com um efetivo reduzido, tivessem conseguido capturar o centro armado de uma rebelião que o exército moçambicano, com mais equipamentos na área, aparentemente não conseguia capturar e destruir.
Atesta Pinto (2008) que “a RENAMO sabia de antemão do ataque e informou os seus grupos locais para que não fossem apanhados de surpresa”. A base havia sido evacuada, tendo ficado uma parte de material bélico mais pesado e que tinha sido apreendido do Governo nos seus confrontos militares. Em todo o caso, a notícia da queda da base – com sua pista de pouso, comunicações e suprimentos que as autoridades militares moçambicanas dizem poder equipar vários milhares de rebeldes por dois a três anos – foi saudada por Samora Machel como uma grande vitória[5].
O assalto a Caba Banana também possibilitou pela primeira vez conformar a ligação entre a RENAMO e o regime do Apartheid na África do Sul. Durante o assalto a Casa Banana, foram encontrados documentos que ficaram conhecidos por Cadernos de Gorongosa, documentos que comprovam a presença da África do Sul na vida da RENAMO, documentos classificados como falsos pelo então comandante da organização Afonso Dhlakama. Infelizmente até à data, esses cadernos não foram oficialmente disponibilizados ao público para maior conhecimento da natureza do movimento armado. Contudo, a apreensão de documentos era rotina na captura de bases, e seria estranho que não tivesse acontecido em Casa Banana. De acordo com Cahen, quando as tropas moçambicanas e zimbabweanas assaltavam quartéis-generais da rebelião, apreendiam sempre papéis e cadernos. O caso mais conhecido é o dos Documentos de Gorongosa, apanhados aquando do assalto a Casa Banana, em agosto de 1985” (Cahen 2020).
A Revista Tempo (1985), faz alarde a intervenção militar das forças governamentais e zimbabweanas, “as defesas eram visíveis logo ali, nas margens do rio Dgedge, postos avançados, alguns dos quais com comunicações telefônicas com o posto central do auto-intitulado General Afonso Dhlakama”. A mesma fonte refere ainda “do consenso das conversas que fomos mantendo ao longo da nossa estada, pudemos apercebemo-nos de que um ataque com infantaria, mesmo que apoiado por artilharia ou bombardeamentos aéreos ter-se-ia deparado com grandes dificuldades, perspectivas de combates muito mais intensos na forja. Era essa certamente a convicção dos mentores locais do banditismo quando, apenas três dias antes do assalto final a Casa Banana emitiram um comunicado de propaganda na qual afirmavam possuir força suficiente para se defrontarem com as tropas moçambicanas e zimbabweanas, considerando Casa Banana como virtualmente inexpugnável.
Após essa grande vitória, a dinâmica da guerra voltou a colocar Casa Banana nas mãos da RENAMO, mas nunca mais com o mesmo simbolismo anterior a 1985. A sua relevância, contudo, voltou à tona depois do fim da guerra civil, fruto da assinatura do AGP, em Roma, Itália[6]. No período multipartidário, esta base, tal como muitas outras bases provinciais da RENAMO, não foi desativada e se manteve activa até a assinatura em 2019 do acordo de paz definitiva, entre o Governo e a RENAMO, que resultou na implementação do programa de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR) dos homens da Renamo.
A destruição de vidas e meios de vida
A realidade político-militar de Casa Banana é algo que informou não só o debate político nacional, como também formou uma sociedade de guerra em torno da serra de Gorongosa. Os confrontos militares continuaram na região até mais de 30 anos após a guerra civil[7]. Por exemplo, a importância da base é vista numa entrevista concedida a DW pelo então porta-voz do partido RENAMO, António Muchanga, que é citado como tendo dito: “os ataques desta quinta-feira foram causados pelo facto de o exército ter seguido os trilhos usados pelas brigadas de recenseamento. A intenção, segundo Muchanga, era desativar aquela célebre base militar da RENAMO (DW, 30 de maio de 2014).
Os posicionamentos da RENAMO e do Governo em torno de Casa Banana ignoraram os impactos das politiquices da Base Militar na vida das pessoas da região, tanto em tempo de guerra como de paz. Uma criança da zona de Gorongosa, e mesmo da localidade de Casa Banana ou arredores, nascida em 1976, teria perto de 40 anos na altura dos confrontos ligados às eleições presidenciais de 2014 aqui relatados.
Mulheres e crianças viram as suas vidas afectadas pela presença e circulação de homens armados durante mais de uma geração. Em certas ocasiões, vieram ao de cima notícias sobre violações de mulheres[8]. Isso para não falar de todos os encontros ocasionais entre jovens militares e cidadãos da zona que podem ter originado em relações sem futuro e de todas as vidas cordas nessas relações ocasionais fruto das desavenças políticas entre a RENAMO e o Governo.
Casa Banana e a Irracionalidade da Democracia Moçambicana: considerações finais
Para muitos observadores, a manutenção de homens armados na Casa Banana era um reflexo directo ou do DNA belicista e desestabilizador da RENAMO, uma consequência directa do DNA ditatorial e violento da FRELIMO, ou de ambos[1]. Uns argumentaram que a manutenção de homens armados na Casa Banana e a eventual prevalência de conflitos civis em Moçambique, pode significar que, a RENAMO nunca pensou em tomar o Estado em Moçambique, mas sempre teve como objectivo um impasse militar ou político através do qual poderia extrair acordos de elite com a FRELIMO.
Outros entendem que a RENAMO tem perpetuado a sua força militar, por se entender que a manutenção de homens armados e preparados para enfrentar o governo aumenta a sua reputação política. O assunto em análise encontra sustentação em Pereira (2016) no seguinte extrato: “uma vez amputadas as alternativas de influência e de protagonismo político, a RENAMO recorreu à cartada militar”. Ademais, a Chatham House (2019), aponta que em janeiro de 1998, preocupado com a possibilidade de perder a sua autoridade sobre estes homens, Dhlakama recusou-se categoricamente em permitir que os seus guarda-costas fossem integrados na polícia. Neste contexto, a sobrevivência da Casa Banana ou de utras bases militares após o AGP é entendida como sendo uma função da ausência de oportunidades da sua liderança de singrar como força política.
Até 2019, a RENAMO ainda tinha 16 bases militares no país, com 5221 homens. Perto de 4883 combatentes foram desmobilizados e 15 bases foram encerradas no contexto do Acordo de Paz Definitiva de 2019. A RENAMO ainda mantém uma base militar em Vunduzi Gorongosa, por ela considerada como sendo o seu Estado-Maior General. O Presidente da RENAMO, Ossufo Momade, visitou a base antes do natal de 2022 par saudar os combatentes por ocasião da quadra festiva, num gesto que pode ser entendido como sendo a reafirmação da contante presença da opção militar no país.
A necessidade de permanecer com uma força armada é explicada por Amdré Magibiri[2] numa entrevista no programa Noite Informativa da STV como sendo uma estratégia e a fonte principal de pressão da RENAMO sobre o Governo para que este cumpra com as condições dos acordos de paz. A manutenção da base de Vunduzi como garantia militar é algo que já havia sido previsto por Afonso Dhlakama antes da sua morte.
[1] Para um resumo desses posicionamentos, veja: “O desafio de Moçambique: quem se deve desarmar?“, Policy Brief No. Zero, CEDE
[2] André Magibiri, Noite Informativa, STV, 22 de dezembro de 2022, https://www.youtube.com/watch?v=P8P4OdSmg14&t=538s. Secretário Geral da RENAMO de 2019 até 5 de setembro de 2022
Referências bibliográficas
CAHEN, Michel.(2020). Do Ultramar ao Pós Colonial: Reflexões de um Historiador sobre Moçambique Contemporâneo nos Arquivos de Portugal e Moçambique. Práticas de História no 10.
PEREIRA, João.(2016) Para Onde Vamos? Dinâmicas de Paz e Conflitos em Moçambique. In. IESE. Desafios para Moçambique 2016. Maputo
PINTO, Jaime Nogueira.(2008) Jogos Africanos. Lisboa: A esfera dos Livros.
VINES, Alex (2019). As perspectivas de um Acordo Sustentável entre as Elites em Moçambique: A Terceira é de Vez?
[1] military base, https://www.collinsdictionary.com/dictionary/english/military-base
[2] military headquarters, https://www.vocabulary.com/dictionary/military%20headquarters
[3] Armed Forces Headquarters, https://www.forsvarsmakten.se/en/about/organisation/headquarters/
[4] Mozambican Campaign: The forgotten war
https://www.thepatriot.co.zw/old_posts/mozambican-campaign-the-forgotten-war/ , By
The Patriot Reporter, December 10, 2015
[5] MOZAMBIQUE:Rebel base captured by joint Zimbabwe-Mozambique strike By Reuter September 19, 1985, Harare https://www.csmonitor.com/1985/0919/izim.html
[6] https://www.caicc.org.mz/diario/?p=4129
[7] https://www.noticiasaominuto.com/mundo/226493/novos-confrontos-na-gorongosa-ferem-sete-militares
[8] https://verdade.co.mz/militares-acusados-de-violacoes-sexuais-na-gorongosa/
[9] Para um resumo desses posicionamentos, veja: “O desafio de Moçambique: quem se deve desarmar?“, Policy Brief No. Zero, CEDE