A ORIGEM E O PAPEL DA FIGURA DE “ASSIMILADO” NO CONTROLO DO NEGRO NAS COLÔNIAS DE PORTUGAL (Corrigida em julho de 2022)
Autores: São Florence Raposo e Milissão Nuvunga
O termo assimilado, tal como usado no pós-independência, foi redefinido. É mais uma “construção” da FRELIMO revolucionária do que uma obra do “colono”. E neste contexto, o seu impacto no destino dos moçambicanos após a independência não pode ser atribuído ao colonialismo Português sem considerar a evolução do termo como resultado das lutas ideológicas internas na FRELIMO. |
Objecto da Nota Informativa
Esta Nota Informativa explica a forma como Portugal usou de forma compulsiva o processo de assimilação nas suas colónias de forma a disciplinar e controlar o activismo dos Negros. Ser assimilado era a condição primordial para poder ter uma vida digna no tempo colonial, daí que praticamente todos os Moçambicanos letrados e que depois fundaram a FRELIMO ou se juntaram à luta armada, eram na sua esmagadora maioria assimilados.
Definição do termo
Assimilação é o “Processo de interpretação e fusão de culturas (tradições, sentimentos, modos de vida) num tipo cultural comum[1]”. Neste contexto, a pessoa que se torna assimilada, passa por um processo de “Absorver e integrar um hábito, um costume, uma técnica ou outra forma de conhecimento (ex.: depois de uns meses, já assimilara os usos da terra)[2].
Assimilado é o termo dado aos súditos africanos do Império Português colonizador entre as décadas de 1910 e 1960, que atingiram um nível de “civilização”, segundo as normas jurídicas portuguesas, que teoricamente os qualificavam para os plenos direitos como cidadãos portugueses. Os colonizadores portugueses reivindicavam como meta para suas práticas de assimilação, a “estreita união de raças de diferentes graus de civilização que se ajudam e se apoiam lealmente”; no entanto, esta noção de “união estreita” diferia de sua aplicação prática nas esferas culturais e sociais das colônias de Angola portuguesa, Moçambique português e Guiné portuguesa[3].
Uso do termo no Moçambique pré- e pós-colonial como instrumento de dominação de um grupo sobre o outro
No seu artigo “Assimilados, régulos, Homens Novos, moçambicanos genuínos: a persistência da exclusão em Moçambique”[4], Albert Farré argumenta que Independentemente do regime político, a exclusão social tem sido uma constante em Moçambique antes e depois da independência.
A figura de assimilado foi oficialmente abolida em 1961, como consequência da tentativa de Portugal de evitar cumprir com as regras do processo de descolonização em curso nas Nações Unidas. Sendo assim, Moçambique deixou de ter indígenas e assimilados, passando a ter somente cidadãos de territórios ultramarinos portugueses.
Esta tentativa de considerar a todos de igual forma acabou criando ainda mais contradições entre os assimilados e os portugueses no período subsequente a 1960, levando a conflitos que se refletiram nas lutas de poder na FRELIMO, luta essa oficializada como política do Estado no seu Terceiro Congresso em 1977 e concluída oficialmente na grande reunião dos Comprometidos em 1982-3???.
Todos os assimilados sofreram os efeitos da discriminação entre pretos e brancos, mas alguns sofreram mais do que outros. Assimilados de famílias “antigas” apesar da discriminação, tinham mais acesso as redes sociais coloniais do que assimilados da primeira geracao, muitos deles os primeiros a terem acesso a uma educacao formal nas suas famílias. O discursos destes últimos, por serem os mais desfavorecidos entre os assimilados, era mais radical do que os dos assimilados mais antigos. Como diz Albert Farré, “Assim, à medida que o colonialismo se prolongava, a experiência colonial da elite negra “assimilada” passou a ser cada vez mais diferente da experiência colonial da elite rural “tradicionalizada” à portuguesa”[5]. Por outro lado, Teresa Cruz e Silva, citada por Albert Farré, argumenta que essa clivagem era também intergeracional, com os mais novos e mais escolarizados sendo mais radicais.
O mesmo se passou entre as elites negras assimiladas urbanas e rurais, algo que afectou a relação da Frelimo com o campo, e que levou aos grandes discursos pós-independência acusando muitos segmentos da elite negra querer “trair a causa da independência” substituindo meramente o colono. Eliminar as formas de organização do Negro continuou assim no pós-independência, mesmo que despedido da superioridade Europeia racial, tendo a raça sido substituída pela superioridade do pensamento ideológico do grupo dominante no Estado. O Mocambique moderno implicava uma continuação do projecto do “assimilado”, mas com outros propósito.
Tal como escreve André Mindoso, referindo-se ao pensamento de Aquino de Bragança sobre o assunto, “a questão da tradição, tribalismo e racialidade constituíam formas de identificação social que deveriam ser eliminadas, dado que, constituíam artifícios usados pela classe capitalista colonial e internacional visando a continuação da dominação de Moçambique. Tais artifícios, defende, estavam sobremaneira presentes na geração de moçambicanos mais velhos que, durante a guerra de descolonização, e mesmo nos primeiros anos de independência, tendiam a construir sua identidade social e política vinculando-a primordialmente a seu grupo étnico, tribal ou racial”.
Segundo André Victorino Mindoso, o estado colonial teve um importante papel na atribuição da identidade de “assimilado”, visto que ele enfrentou o moçambicano como o negro e mestiço que havia superado a condição indígena ou não civilizado, tornando-se semelhante ao colono português. Também diz que apesar das expectativas do Estado e das elites coloniais, o assimilado não abandonava completamente as suas praticas culturais de origem: a identidade era negociada[6]. O processo de assimilação não terminou com o fim do colonialismo português. Tal como diz Mindoso, essas tendências e práticas assimiladoras podem ser observadas tanto no período colonial, quanto no socialista do pós–independência[7].
Com as clivagens internas e purgas na FRELIMO após a morte de Eduardo Mondlane, o termo assimilado deixou de ser um termo colonial portugues identificando todos os Negros educados no sistema Poruguês (Mondlane, Simando, Machel, Gwenjere, Joana Simeão, Chissano, Marcelino dos Santos, etc.) para ser um termo de exclusão no pós-independência usando critérios definidos pela FRELIMO depois de 1970.
Um grupo de assimilados passou a ser considerado de “inimigos da Revolução”, por não se identificar com os planos do grupo que venceu a guerra interna de sucessão. Os vencedores da luta interna dividiram os Moçambicanos em três grupos. O grupo do Homem Novo, constituído basicamente pela elite vencedora do conflito interno. Este grupo de Homens Novos considerava os guerrilheiros de incorporação mais recente como em processo de formação revolucionária, para algum dia serem Homens Novos; e, finalmente, havia os que continuavam vivendo nas trevas do mundo colonial. Do ponto de vista da Frelimo, os piores entre eles eram os que decidiram de própria vontade envolver-se nas instituições do colonialismo: régulos, soldados do exército colonial, funcionários civis, deputados provinciais, agricultores abastados etc”[8].
Ligação com a realidade actual
O termo assimilado, tal como usado até hoje no pós-independência, foi redefinido. É mais uma “construção” da FRELIMO revolucionária do que uma obra do “colono”. E neste contexto, o seu impacto no destino dos moçambicanos após a independência não pode ser atribuído ao colonialismo Portuues sem considerar a evolução do termo como resultado das lutas ideológicas internas na FRELIMO.
A assimilação não é uma curiosidade histórica. Ela é importante para entender os comportamentos da governação hoje em Moçambique. Os argumentos sobre a Partidarização do Estado avançados pelo Partido FRELIMO no âmbito da implementação das decisões do seu V Congresso são basicamente de assimilação do Moçambicano que pretende integrar o aparelho do Estado e o sector formal da economia nos hábitos e culturas governativos do Partido FRELIMO.
Na altura de conclusão deste escrito, uma notícia publicada pelo jornal O País indicava que “a ministra da Administração Estatal e Função Pública, Ana Comoana, orientou, através de um ofício, que os filhos dos combatentes tenham prioridade na contratação para a Função Pública, na província de Inhambane”[9]. Claramente, a mentalidade de excepcionalidade continua a dominar os processos de relacionamento entre o Estado e o povo que habita Moçambique, e que continua aguardando pelo direito de ser considerado cidadão de pleno direito.
FIM
[1] “assimilação”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/assimila%C3%A7%C3%A3o [consultado em 28-06-2022].
[2] “assimilação”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/assimila%C3%A7%C3%A3o [consultado em 28-06-2022].
[3] https://artsandculture.google.com/entity/assimilado/m0fqn860?hl=en
[4] Albert Farré, «Assimilados, régulos, Homens Novos, moçambicanos genuínos: a persistência da exclusão em Moçambique», Anuário Antropológico [Online], v.40 n.2 | 2015, posto online no dia 01 juin 2018, consultado o 26 juin 2022. URL: http://journals.openedition.org/aa/1443; DOI: https://doi.org/10.4000/aa.1443
[5] Albert Farré, «Assimilados, régulos, Homens Novos, moçambicanos genuínos: a persistência da exclusão em Moçambique», Anuário Antropológico [Online], v.40 n.2 | 2015, posto online no dia 01 juin 2018, consultado o 26 juin 2022. URL: http://journals.openedition.org/aa/1443; DOI: https://doi.org/10.4000/aa.1443
[6] André Victorino Mindoso, “A POLÍTICA DA ASSIMILAÇÃO E SUA AMBIVALÊNCIA: a experiência moçambicana”, In Caderno CrH, Salvador, v. 34, p. 1-17, e021040, 2021, https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/30656/25736
[7] André Victorino Mindoso, “A POLÍTICA DA ASSIMILAÇÃO E SUA AMBIVALÊNCIA: a experiência moçambicana”, In Caderno CrH, Salvador, v. 34, p. 1-17, e021040, 2021, p. 4 https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/30656/25736
[8] Albert Farré, «Assimilados, régulos, Homens Novos, moçambicanos genuínos: a persistência da exclusão em Moçambique», Anuário Antropológico [Online], v.40 n.2 | 2015, posto online no dia 01 juin 2018, consultado o 26 juin 2022. URL: http://journals.openedition.org/aa/1443; DOI: https://doi.org/10.4000/aa.1443
[9] “Ana Comoana ordena que se priorizem filhos de combatentes na Função Pública em Inhambane”, In O País, publicado a 30 de junho de 2022, extraído a 1 de julho de 2022