Heroicidade, Simbolismo e Consanguinidade Política Nota Informativa No. 7, fevereiro de 2023

A HEROICIDADE E O SIMBOLISMO COMO PRODUTOS DA CONSANGUINIDADE POLÍTICA EM MOÇAMBIQUE

Autores: Ernesto Constantino, Newton Gode e Milissão Nuvunga

 

Falar da heroicidade e simbolismo em Moçambique equivale, de certa forma, a fazer uma radiografia política do fim da ideia de Moçambique. Os heróis moçambicanos são todos coloniais, e depois do colonialismo português, Moçambique parece não ter conseguido produzir heróis. De certa forma, pode-se dizer que a proclamação da independência nacional a 25 de junho de 1975 equivale também na altura, e sem termos noção, à proclamação do fim da heroicidade em Moçambique. A constante repetição e dissecação dos feitos de heróis do tempo colonial por líderes políticos, religiosos e instituições e figuras acadêmicas é um sinal de uma crise de identidade que põe em perigo a independência nacional, pois atesta mais a um exercício de consanguinidade política do que de busca de consensos nacionais.

  

Objecto da Nota Informativa

Esta Nota Informativa trata da questão da heroicidade em Moçambique, e mostra como, a definição de heróis e a identificação de actos de heroicidade continua refém de racionalidades pré-coloniais. Por outro lado, fala de como a tentativa político-acadêmica de identificar critérios de heroicidade nos grandes heróis nacionais não consegue com sucesso eliminar a possibilidade de outras pessoas no período pós-independência também serem heróis. Por outro lado, mostra como, na tentativa de se bloquear outros heróis e heroicidades politicas e sociais, o país acaba também não valorizando os seus filhos e filhas que no período pós-colonial, morreram e morrem a defender o país. E neste paradoxo as guerras civis constantes no país, que viram centenas de milhares de pessoas a morrer na defesa do Estado, não produziram nenhuma pessoa do calibre dos pastores, professores, enfermeiros, padres, e militares da guerra da independência.

 

Definição do termo                                                                

O conceito de Herói está intrinsecamente ligado à sociedade que o criou, bem como à época da sua criação. Assim, o herói é uma figura que reúne em si os atributos necessários para superar de forma excepcional um problema social que poucos sabiam como, ou tinham coragem, de resolver (Campbell, 2007). Campbell também acrescenta o sacrifício individual com um atributo importante e primordial, ao considerar que a principal característica que define o arquétipo do herói é a capacidade que ele tem de se sacrificar em nome do bem-estar comum. Numa configuração tradicionalista, o herói é aquele que realiza sozinho um grande feito e assim se destaca da multidão (Brunke e Nunes, 2018). Para a teoria de heroicidade, a condição heroica é determinada tanto pelo agir do herói quanto pelo reconhecimento da sua acção.

Já o simbolismo se constitui numa contra-corrente que pretende desconstruir os heróis, voltando a discutir o seu significado tendo em conta a sociedade de hoje. Nesta senda, Farias (2022), conceitua “herói”  como elemento disseminador dos bons exemplos sociais, que convergem para o aprendizado e inspiração humana para acções positivas. As lutas sociais em vários países do mundo pela destruição de monumentos que comemoram pessoas ligadas a símbolos negativos da humanidade como a colonização (Cecil Rhodes em Cape Town, na África do Sul), a dominação russa nos antigos países da União  Soviética (memoriais ligados ao comunismo), e de generais americanos ligados ao esclavagismo e a chacina dos povos nativos nos Estados Unidos (General Robert E Lee e George Custer), é um exemplo do impacto desestabilizador do simbolismo para os detentores do poder.

Geralmente, constitui tradição dos Estados a produção e evocação de um imaginário e/ou real político identitário, feito de histórias de lutas e de resistências homéricas, com os protagonistas investidos de um papel essencial no processo de construção e instituição de uma identidade nacional (Ribeiro, 2005: 257).

 

O contexto da heroicidade em Moçambique

Para o caso Moçambicano, a prática de elevação de indivíduos à categoria de herói nacional é intrínseca ao processo de construção da nação, desde o período da luta de libertação nacional, o único problema é que o imaginário nacional não foi capaz de produzir novos heróis após esse período. Todos os heróis estão praticamente ligados ao colonialismo, e os moçambicanos que pereceram nas novas guerras no país nunca mereceram ver os seus feitos reconhecidos como actos de heroicidade.

Otítulo de herói em Moçambique é atribuído aos indivíduos que tenham exigido sacrifício, coragem, audácia e abnegação na (i) resistência contra a ocupação estrangeiras, na luta contra contra o racismo e outras formas de opressão e dominação; (ii) em actos excepcionais de bravura e heroísmo na defesa da Pátria e da vida humana; e (iii) em actos excepcionais de defesa da unidade nacional e promoção de desenvolvimento sócio político, económico, cultural e técnico-científico do País.

Contudo, a ênfase actual no país ainda é de mostrar que os heróis da luta de libertação são ainda úteis para pensar o país. É neste sentido que o actual o Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, destaca que os heróis moçambicanos perecidos na luta de libertação nacional exprimem um sentimento de reflexão não apenas do passado, mas também do presente bem como da construção do futuro do país (Portal do Governo, 2016).

A heroicidade tem sido uma questão de consanguinidade política. Discutir novos heróis significaria legitimar novas lutas e novos regimes políticos, algo que ao país parece não estar pronto para fazer. Os heróis são percebidos em Moçambique como linhas de consanguinidade político, criando herdeiros e linhagens que carregam os seus ideais. Maior grandeza que essa no processo de governação, não é permitido existir ou muito menos, ser pensada.

Até agora, ao exaltar-se a figura do herói nacional, associa-se concomitantemente essa figura à imagem dessa mesma elite política. Isto é, esta elite, neste processo, procura transmitir a ideia de que os seus membros são legítimos herdeiros e seguidores dos valores e ideais dos heróis exaltados – ou seja, instrumentalizados – para com isso conquistar a legitimidade que visa liderar o processo de materialização das suas agendas, das quais enfatizar a construção da ideia de nação (Posse, 2020:98).

Na assunção de Matsimbe (2017), o uso de narrativas históricas para exaltar a heroicidade dos combatentes de libertação, vivos e mortos, é uma das estratégias que o partido libertador tem usado para a sua manutenção no poder. É característica dos libertadores a usurpação da história dos novos Estados. Na senda da mistificação dos libertadores verifica-se que em Moçambique que quase todas as datas históricas, que se tornaram feriados nacionais, estão ligadas aos feitos do movimento libertador e hoje partido político, a Frelimo. É neste sentido que, Ronguane (STV, 03.02.23), defendeu haver a necessidade de se alargar o conceito de herói, isto é, aumentar-se o panteão de herói, admitir-se que as várias micro-comunidades políticas possam ser elas também a propor os seus heróis.

A memória como consanguinidade política é justificada na construção da memória colectiva, mesmo que não nos modelos absolutistas e estáticos implementados em Moçambique. Para Jorge Jairoce (2012), o trabalho de heroificação é inseparável da produção de uma memória colectiva de dimensão nacional por parte do Estado e seus agentes. A memória colectiva é, como fundamentado por Pujadas (1994) apud Jairoce (2012), simultaneamente a depositária do conjunto de atributos e símbolos de uma sociedade e um dos instrumentos de legitimação da ordem social dominante.

Falar da memória colectiva implica convocar a tradição. A ciência histórica ensina-nos que há uma nítida distinção entre memória colectiva e memória histórica, pois, enquanto existe uma História, existem muitas memórias partilhadas. E enquanto a História representa factos distantes, a memória age sobre o que foi vivido. Neste sentido, é neste vazio que se abre espaço para a história oficial e/ou ideológica, que segundo Yussuf Adam, é a historiografia produzida visando a defesa de interesses tanto de um regime político, quanto de uma autoridade religiosa. Este tipo de historiografia é um instrumento que visa divulgar uma imagem positiva daqueles que nela estão interessados, mas também pode ser escrita para desconstruir uma narrativa previamente fórmula.

Enquanto que a memória, traição, antiguidade, etc. são importantes na definição de uma categoria de heróis, poucas vezes nos ajudam a entender o mundo actual e a orientar as lutas concretas do dia a dia. Para tal, a ideia do simbolismo, com um conceito que confere valor as relações sociais actuais e aos agentes que vivem o dia a dia imediato, veio a tona na discussão da heroicidade. Invocar a tradição sem aceitar a transformação social e de mentalidades cria sérios desafios no processo de construção do estado nacional.

 

Heróis e simbolismos políticos: Mondlane, Gwengere, e Dhlakama

O trabalho de heroificação é inseparável da produção de uma memória colectiva de dimensão nacional por parte do Estado e seus agentes. É difícil ligar a legitimidade de um herói a factos materiais como por exemplo o seu impacto popular. Mondlane, Gwenjere e Dhlakama podem ser vistos como exemplos paradoxos desse problema. Moçambique teve várias figuras que também contribuíram de forma significativa no processo da luta de libertação nacional e independência do país, mas que não gozam do estatuto de mérito ou herói nacional.

Definimos heróis excluídos as figuras que foram coladas à parte mesmo tendo contribuído em acções que mudaram o curso normal da construção do Estado Moçambicano, num processo que envolveu a independência do país, instauração do regime democrático, pluralismo político, na defesa e promoção dos direitos humanos. Nesta categoria temos figuras como a do Padre Mateus Pinho Gwengere, André Matsangaissa e Afonso Dhlakama.

Por exemplo, o conceito de unidade nacional definido após a morte de Mondlane é mais importante para o heroísmo do que o conceito de diversidade democrática instaurado após os Acordos Gerais de Paz de Roma. Na visão da liderança da Frelimo que triunfou após a sua morte, e após a independência das lideranças do partido Frelimo, Eduardo Mondlane foi e continua a ser uma referência inquestionável quando se discute o tema unidade nacional. Nesta visão, Mondlane sonhou em construir um Estado-Nação inclusivo, forte e sustentável em favor de todo moçambicano, sem exclusão.

Mas mesmo assim, não se pode dizer que aquilo que Mondlane simboliza no discurso do heroísmo corresponda à realidade. Na realidade, longe disso. A experiência vivida por Mondlane nos EUA fez nutrir nele ideias democráticas, daí ter idealizado um Estado Federal em Moçambique (Ngoenha, 2020). O simbolismo de Mondlane foi neste sentido mais uma utopia criada após a sua morte para legitimar a nova liderança da FRELIMO do que uma realidade pessoal do líder.

O simbolismo é mais importante do que factos para se ser herói. Por exemplo, Eduardo Chivambo Mondlane é considerado herói também pela sua popularidade e pelo grau de respeito que as autoridades portuguesas da altura tiveram por ele. Cruz e Silva (2001) sublinha o entusiasmo popular que rodeou a visita de Mondlane, assinalando deste modo a dimensão política e o prestígio que ele adquiriu como personalidade internacional, sendo reconhecido em simultâneo como um filho de um povo oprimido e seu representante.

Ribeiro (2011: 100) destaca que, Mondlane mobilizou habilmente todo o seu saber diplomático na relação com os altos responsáveis portugueses, pelo que não havia para esta outra solução que não fosse a vigilância discreta, ao mesmo tempo que mantinham o diálogo e disponibilizavam meios logísticos. Contudo, nos critérios de aceitação popular e de aceitação reluctante pelo regime, Afonso Dhlakama seria um herói do nível de Eduardo Mondlane e de Samora Machel.

Por exemplo, o Padre Mateus Pinho Gwengere também teve um percurso histórico, se seguirmos a tendência de heroicizar os locais e processos que fizeram parte da vida dos heróis (mesmo antes deles terem cometido os actos heróicos ou traiçoeiros). O Padre Gwenjere nasceu em 19 de Novembro de 1933, na localidade de Murraça, no atual distrito de Caia, em Sofala. Foi ordenado Padre em 15 de Agosto de 1965, pelo Bispo da Beira Dom Sebastião de Rezende na paróquia de Macuti, na cidade da Beira. Foi o primeiro Pároco de origem africana na Missão de Murraça. Abandonou a missão de Murraça e juntou-se a Frelimo em abril de 1967, com o objectivo de defender a liberdade dos moçambicanos. Na Frelimo desempenhou as funções de professor na escola da FRELIMO (Instituto Moçambicano na Tanzânia) e apresentou um excelente relatório na sede da Nações Unidas em Outubro do mesmo ano. Desempenhou um papel fundamental no recrutamento de jovens à causa da Frelimo.

Em entrevista à DW, Francisco Gimo, ex-combatente da Luta de Libertação, descreve que Gwengere foi pertinente na mobilização de jovens, e sobre o conflito com o Frelimo, salienta que “era um conflito entre os dirigentes, em que se observou que ele já era inimigo da FRELIMO. Os trabalhos que ele fez serviram de muito para a FRELIMO. Porque muitos alunos, mesmo a população, foram [juntar-se à luta de libertação] por influência dele. Mas como era um poder que toda a gente queria, tinha de aparecer esse fenômeno” (Barroso, 2014).

 

Conclusão: pela democratização da heroicidade

Os heróis são uma categoria pertinente no processo da edificação de uma nação e pertencem a uma memória colectiva marcada por um passado de bravura e cujas acções particulares conseguiram mudar o curso normal da vida nas sociedades. Mondlane foi considerado herói por ter conseguido juntar os diferentes grupos étnicos num projecto comum (Moçambique) e estabelecer a ideia da unidade na diversidade. Esta forma de ver e pensar Moçambique, fez com que Mondlane fosse considerado o arquitecto da Unidade Nacional. Em sentido oposto, o processo de categorização de heróis no período pós-independência não reúne consenso embora em termos legislativos, possa ter se registado avanços significativos.

Analisando os factos por detrás da heroicidade de Mondlane e banditismo de Afonso Dhlakama ou das traições do Padre Mateus Gwenjere, verificamos que a consanguinidade política é o único critério que parece ajudar a definir quem é herói e quem não é em Moçambique. Os factos usados para heroicizar Mondlane e demonizar/silenciar  outros, têm academicamente o mesmo peso metodológico e não nos permitem afirmar que Afonso Dhlakama seja menos herói nacional do que Eduardo Mondlane.

Do ponto de vista de heroicidade, é chegada altura de líderes da sociedade civil e da academia dedicarem cada vez mais os seus congressos e simpósios a outras figuras que mesmo não obedecendo aos critérios de consanguinidade política na FRELIMO, tenham obedecido aos critérios factuais usados para se definir um herói. A democratização do panteão dos heróis na academia pode ser uma via para a construção do estado democrático.

E por último, será que as guerras civis não produziram nenhum herói na defesa da pátria e da integridade territorial? Professores que perderam a vida a caminho das salas de aulas nas zonas de guerra, ou enfermeiros que perderam a vida por terem teimado em permanecer em zonas de guerra a servir o povo?

FIM

 

ANEXO: Evolução legislativa da Heroicidade em Moçambique

Com a conquista da Independência e o estabelecimento do Estado Moçambicano, em 1975 foi aprovada a primeira Constituição da República Popular de Moçambique (CRPM) que no primeiro artigo, reconhece que a República de Moçambique, é fruto da resistência secular e da luta heroica e vitoriosa do Povo Moçambicano, sob a direcção da Frelimo (CRPM, Art 1.o, 1975). Interpretando este artigo, três elementos podem ser identificados sublinhados no processo da atribuição de títulos honoríficos, que são (i) a resistência, (ii) luta e (iii) vitória.

Ainda no período monopartidário, foi aprovada a Lei nº8/81, de 17 de Dezembro, Lei do Sistema de Condecorações que foi elaborada ao nível do Partido Frelimo, aprovada pela Assembleia Popular. A referida lei, nas disposições gerais, estipula que “a República Popular de Moçambique” concede “Condecorações, Títulos Honoríficos e Distinções a cidadãos, organismos, organizações, instituições, unidades militares, unidades económicas, cidades, localidades, aldeias.”

No entanto, tais distinções, de acordo com o artigo 3 do capítulo I, poderiam ser concedidas por sete razões: durante a Luta de Libertação da Pátria, no trabalho organizativo, na luta armada, na acção, na clandestinidade, no combate contra o racismo, o regionalismo e o tribalismo, na luta pela emancipação da mulher; na consolidação da independência nacional e na construção do socialismo; na defesa da Pátria, da soberania e da integridade territorial; na consolidação, reforço e desenvolvimento das forças armadas de defesa e segurança; na solidariedade internacionalista activa para com a luta dos povos a favor da independência, democracia, do socialismo e da paz, contra o colonialismo, o neocolonialismo, o imperialismo, o fascismo, o racismo e a exploração do homem pelo homem; na produção, na agricultura, na pecuária, na indústria, na construção, nos serviços, na saúde, nas ciências, na educação, na arte, na cultura e no desporto; e em actos heróicos de defesa da vida humana e da propriedade socialista.

Quanto à criação e proposta, a lei refere que apenas a Assembleia Popular pode criar e conceder Condecorações e Títulos Honoríficos. No que diz respeito às Distinções a Assembleia Popular é quem cria, mas o Conselho de Ministros, os órgãos centrais do Aparelho do Estado, as organizações democráticas e de massas e as instituições são quem concede. A lei também ressalta que as Condecorações e os Títulos Honoríficos podem ser concedidos a título póstumo. E no que diz respeito a quem pode propor, o artigo 15 do capítulo III o Comité do Partido Frelimo consta na primeira alínea no que diz respeito aos órgãos que podem propor Condecorações e Títulos Honoríficos. Na segunda linha aparece a Comissão Permanente da Assembleia Popular. Depois figuram, em ordem decrescente, o Conselho de Ministros e órgãos centrais do Aparelho do Estado; as Assembleias do Povo, as Organizações Democráticas de Massas; as Instituições Superiores de ensino e investigação; e as associações científicas, culturais, artísticas e desportivas.

Em meio a este período, emerge a Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) que no seu discurso surge para acabar com o monopartidarismo e garantir que todos os moçambicanos possam participar no processo da construção do Estado. Nesse sentido, a 4 de outubro de 1992 foi assinado o Acordo Geral de Paz, pondo fim a uma guerra civil que durou cerca de dezasseis anos (1976-1992), e que resultou na alteração da Constituição, introduzindo-se uma multipartidária em 1990, revista em 2004 e 2019.

A aprovação de uma nova Constituição, implicou a necessidade de adequar a Lei n.º 8/81, de 17 de Dezembro, à realidade actual do País, bem como estabelecer um mecanismo mais abrangente no concernente à atribuição de títulos honoríficos e condecorações na República de Moçambique. E ao abrigo desta lei, constituem dentre os actos susceptíveis de títulos honoríficos e condecorações os méritos relevantes alcançados os seguintes (art. 4): na libertação nacional; na defesa da independência, soberania e integridade territorial; na edificação de uma sociedade de justiça social e na criação do bem-estar material e espiritual e de qualidade de vida dos cidadãos; na defesa e promoção da moral e dos direitos humanos e da igualdade dos cidadãos perante a lei; na consolidação da democracia, da liberdade, da paz, da estabilidade e da harmonia social; na área do associativismo juvenil; no estabelecimento e desenvolvimento de relações de amizade, cooperação e solidariedade com outros povos e Estados.

Nesse sentido, o título de herói em Moçambique é atribuído aos indivíduos que tenham exigido sacrifício, coragem, audácia e abnegação na (i) resistência contra a ocupação estrangeiras, na luta contra contra o racismo e outras formas de opressão e dominação; (ii) em actos excepcionais de bravura e heroísmo na defesa da Pátria e da vida humana; e (iii) em actos excepcionais de defesa da unidade nacional e promoção de desenvolvimento sócio político, económico, cultural e técnico-científico do País.

Observados os dispositivos legais, podemos considerar que a partir de 1990 a legislação procurou se ajustar ao contexto, embora ainda esteja profundamente associada à questão da luta de libertação. Foi removida a iniciativa de propor os heróis ao partido Frelimo, permanentemente com entidades como a Assembleia da República, Conselho de Ministros, Governos Locais e instituições superiores de ensino e de investigação, e a decisão final compete ao Presidente da República, o que torna o processo da atribuição de títulos honoríficos altamente politizado. Na próxima secção, apresentamos o processo da heroicidade em Moçambique, com base em Eduardo Mondlane e são problematizadas outras figuras que tendo contribuído do seu modo (resistindo) não alcançaram o estatuto de heróis, sendo excluídos ou permanecendo em uma categoria de simbolismo.

 

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Legislação

 

Lei n.o 1/2018 de 12 de Junho – Lei da Revisão Pontual da Constituição da República de Moçambique.

Lei n.º 8/81, de 17 de Dezembro – Projecto de Lei do Sistema de Condecorações.

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